Todos nós sabemos que existe gente pobre, gente órfã, gente
doente, gente abandonada, gente que sofre de tudo quanto é jeito... e
aprendemos desde cedo a “conviver” com essa realidade. Ela se torna parte do
nosso dia a dia e na maioria do tempo simplesmente sabemos que está lá, existe,
mas não sentimos.
E então, de repente, você se aproxima de uma realidade
dessas. Conhece. Convive. Sente. E dói. Dói porque você vê que, diferente do
que era antes, não dá pra simplesmente conviver com a ideia de que uma
realidade dessas existe e está tudo bem. Você quer fazer algo, quer ajudar,
quer mudar tudo aquilo. Você faz o que pode, ajuda aqui e ali, se esforça.
Quanto mais você faz, menos parece fazer, porque a realidade continua ali e você
sabe que mais deveria ser feito. Mas seus braços são curtos e não dá para
abraçar o mundo. E então vem a dor da impotência, quando você percebe o quão
pouco consegue fazer para mudar a realidade na qual se envolveu. E essa dor se
transforma em culpa. Culpa por não fazer mais, quando deveria fazer mais. Você
se questiona como pessoa, questiona sua força e disposição, questiona a si
mesmo de tal forma que acaba se diminuindo, porque o pouco que consegue fazer
nunca será o suficiente. Você sofre, sofre mesmo, mas sabe que não pode (e nem
quer) fugir daquilo. É parte de você agora.
O mundo nos faz acreditar que certas situações
são usuais, comuns, acabam acontecendo com algumas pessoas, e está tudo certo
ser assim, é normal. Mas não é. Entre de cabeça em um problema social, conviva,
aprenda, descubra como se sentem as pessoas e vai saber do que estou falando. A
alienação é um poço de felicidade porque nos deixa conviver com tudo sem nos
importarmos. Mas basta sentir, um pouco que seja, e não esquecer que aquilo
está ali diariamente, para que você nunca mais ignore. E mesmo que faça algo, não estará satisfeito,
nunca mais. Ainda que isso traga sofrimento, talvez seja bom que aconteça assim,
afinal, a insatisfação, ainda que doa, ainda que machuque, que faça sofrer, que
faça sentir-se impotente, pode se tornar o combustível da ação. É uma batalha
interna, para a qual nem sempre estamos prontos. Eu não estava, mas como tudo
na vida, vou ter que aprender a lidar.
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