quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Tempo


          
Salvador Dali. Soft Watch at the Moment of First Explosion, 1954.


           É doloroso observar o tempo. Quando você realmente dedica um pouco de atenção a ele, enxerga-o como uma força destrutiva, em cuja presença tudo se corrói e desaparece.
Essa observação tem consequências, pois você vê seu mundo desmoronar e se reconstruir, em um ciclo muitas vezes doloroso, onde suas lembranças nada mais são que escombros empilhados sobre os anos passados.
          Quando somos crianças, o tempo ainda é um mistério. Parece-nos que sempre teremos a mesma idade, que nossos pais são adultos desde sempre, que as coisas estão como sempre foram e que nada mudará em nossas vidas. Tudo é “sempre” para uma criança.
          Mas você começa perceber o tempo quando as pessoas ao seu redor começam a morrer. Uma avó, uma tia, um amigo, uma a uma as pessoas vão nos deixando sem que possamos fazer absolutamente nada. É quando a ilusão infantil de que as coisas são eternas desaparece, o momento em que somos forçados a acordar para a verdade de que as pessoas que amamos não são imortais, e que um dia provavelmente acabaremos sozinhos.
          E conforme a vida segue vamos descobrindo ainda que o momento em que vivemos, por melhor ou pior que seja, não é eterno. Pessoas vão embora, talvez você se mude, talvez alguém muito importante morra, talvez troque de emprego. O fato é que descobrimos que a vida é formada por ciclos e fases que vivemos, compostas por tudo e todos que nos rodeiam. E que nada é eterno.
           Fases às quais nunca damos o devido valor. Quantas vezes nos pegamos saudosos do tempo de escola, enquanto naquela época não víamos a hora de terminar os estudos? Quantas vezes temos saudades da pessoa querida que se foi, enquanto recusamos seus inúmeros convites de jantar enquanto vivia? O sábio ato de enxergar esses pormenores do tempo e de nossa mente confusa só nos são proporcionados quando realmente procuramos enxergar o tempo.
            E nada é mais efêmero em nossas vidas do que as pessoas. É curioso como amamos pessoas furiosamente, sejam amigos, familiares ou amantes, com a impressão de que jamais poderemos suportar uma separação. Pessoas importantes, amizades que dizemos ser para toda a vida, mas que não resistem a alguns meses de separação, quando nem mesmo temos palavras ou assunto para uma simples conversa em um reencontro desconfortável.
            Ando observando o tempo nos detalhes da vida. Um antiga e famosa loja de sapatos, hoje é uma farmácia. Um terreno baldio, no qual tanto brinquei, está abarrotado de casas. Pastos e montes de terra se converteram em asfalto e blocos de cimento. Pessoas que amei me deixaram. Fases da vida que tanto desvalorizei, hoje me lembro com saudade e carinho. E principalmente, observo temeroso o futuro. Pela primeira vez na minha vida, dou valor para o meu viver presente. Amo as coisas que faço, meu trabalho, minha situação atual, mas principalmente, as pessoas que fazem parte da minha vida. E sei que, como todas as outras, essa fase também vai terminar. Talvez, por observar o tempo, estou me preparando para o fim de tudo isso e o início de outra fase da vida. Talvez, essa fase já esteja começando, e esse texto seja só para tentar admitir esse fato.  De qualquer forma, desde agora, já sinto falta desses últimos anos que vivi, pois com toda a certeza foram os melhores da minha vida.
             Quando tudo isto acabar, quando outro momento se iniciar para mim, espero sinceramente ser capaz de abandonar esses anos e seguir em frente, desejoso de que as pessoas que fazem parte do meu mundo estejam sempre comigo, de uma forma ou de outra. Para que talvez, eu possa deixar de observar o passar do tempo como uma coisa tão destrutiva, mas sim como alicerce para uma nova vida.


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2 comentários:

  1. O que eu percebo nestes tempos que estou fora do meu espaço comum, é que sim, o tempo passa, mas não da mesma forma. Para os que estão além do meu convívio tudo acontece, tudo muda, mas para mim ele se arrasta, no entanto, é aí que descubro que quem está mudando mais sou eu. E esse arrastar do tempo que é curioso, cada dia é lento, mas prestando atenção, tantos se foram, tantos conceitos e convicções perderam seu valor para dar lugar a outros continuando o funcionamento dessa máquina.

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  2. Realmente, nem sempre o tempo de fora é sincrônico ao de dentro.

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