Bom, eu havia lido algumas coisas sobre o livro na comunidade do orkut de Harry Potter. Eu pensava comigo mesmo: Puxa, um livro sobre uma escola de magia no Brasil? Deve ser legal.
Mas fui adiando a compra do livro... deixando para depois... Até que um certo dia, por algum motivo obscuro, tive muita vontade de lê-lo, e finalmente encomendei minha cópia na Saraiva.
O que eu esperava? Uma história no mínimo inocente sobre um garoto que descobre que é bruxo, e passa a ter o objetivo de aprender magia e se livrar da perseguição dos traficantes, já que estava jurado de morte. O básico da resenha.
Mas o que descobri, o que li, foi incrível.
Em primeiro lugar, a escritora, Renata Ventura, fez a lição de casa. Utilizou acontecimentos reais na Favela Dona Marta para nos introduzir aos personagens. O tempo todo são citados fatos que realmente aconteceram no mundo real, o que nos torna próximos à história. Um delicioso aperitivo, claro.
Mas o que mais surpreende são os personagens. Primeiro os professores, retratos exatos dos vários tipos diferentes no Brasil. Temos o professor inconsequente, o faltoso, a queridinha da turma que não ensina direito, a muito inteligente mas terrivelmente insensível, o ótimo professor cuja matéria ninguém se interessa... Estereótipos saudáveis com os quais convivo diariamente como professor nas escolas em que leciono.
E os alunos, longe de serem perfeitinhos, são os típicos alunos das escolas brasileiras, muito bem retratados até mesmo nos modos de falar.
E tem o protagonista, Hugo, o mais humano de todos. Um personagem ambíguo, real, que erra várias vezes, fatalmente até, alguém que nunca, nunca mesmo eu imaginava ser protagonista de um livro desse tipo. Em vários momentos da leitura, me peguei pensando "puxa, Hugo deveria ser algum tipo de vilão da história, e não o personagem principal", para só depois descobrir que as circunstâncias que o fazem agir de maneira impulsiva talvez fizessem com que eu agisse da mesma forma. É assustador como Hugo me fez pensar sobre consequências, meios e fins, o quanto nós poderíamos ser parecidos, o quanto de bandido eu teria dentro de mim, como diz a sinopse. Se ao ler Harry Potter e a Ordem da Fênix você se espantou com o comportamento rebelde e impulsivo de Harry, prepare-se para se espantar, e muito, com o comportamento de Hugo que, diga-se de passagem, tem muitos motivos para se revoltar contra a vida.
Toda história de fantasia e aventura tem um grande vilão, e A Arma Escarlate não foge à regra. Contudo, o vilão, o grande mal que acaba assolando a escola, nada tem a ver com bruxos psicopatas ou mentes malignas, mas sim algo extremamente próximo à nós, muito difícil de se vencer e muito, mas muito mais perigoso que um Voldemort da vida. Grande sacada da autora, uma das melhores do livro.
E méritos também à valorização de nossa cultura, uma vez que os feitiços vem de línguas indígenas e africanas, nosso folclore e cultura são amplamente valorizados e até mesmo críticas à nossa mania de copiar o estrangeiro surgem nas páginas de maneira suave. Vemos traços do folclore e de nossas tradições explicados dentro do mundo mágico desenvolvido pela autora.
E são deliciosas as referências à saga Harry Potter. Nada gritante, saborosamente sutis, que os fãs da série captam no ato. Algumas são mais gostosas de perceber que as outras, criando uma conexão interessante, e diga-se de passagem, sugestiva, com a saga de J.K. Rowling.
Fica aqui a recomendação de leitura e um ENORME PARABÉNS para Renata Ventura, por criar uma história tão densa e ao mesmo tempo tão divertida e prazerosa, que me fez repetir um feito só antes alcançado por Harry Potter: A leitura de um livro de 500 páginas em dois dias, o que me rendeu algumas olheiras, claro. E um grande gostinho de "quero mais". Bem mais.